Ela conheceu o ex-marido num velório e morreu apaixonada por um Padre. Em alguns casos, o padre deveria dizer: “Na saúde e na violência: até que a morte os separem”. Nunca entendi porque a minha vó não se separou antes dele ameaçar a vida dela. A melhor conclusão que cheguei foi algo relacionado a moral. Fé não poderia ser. Como aguentou ser violentada? No caso dela, também deve ter pesado o fato de ser dependente financeiramente dele. O que será “virou a chave” para se libertar? Será que foi o padre que mudou tudo? Ficou tão apaixonada que se separou? Não sei se isso faz sentido. No fundo, nem sei se houve um dia específico que ela disse “basta” ou se foi uma soma de violências. Ela era devota. Se é que isto muda alguma coisa a respeito das violências no mundo. Nada contrária aos devotos, mas cada tempo tem suas devoções. O padre era a paixão impossível. Como nessas novelas “água com açúcar”. Ele devia ser gordinho. Ela era gordinha e sempre dizia que eu estava magrinha. Ela era feliz com suas gordurinhas. Ele devia ter sotaque do interior. Esses que carregam uma legião de pessoas e transmitem suas origens. Ela deve ter se apaixonado pela ideia de estar apaixonada. Mas recordo dele tendo qualquer coisa diferente com ela. Não sabia dizer na época. Era como se fosse possível sentir uma conexão entre os dois. Recordando parece mesmo que eles se gostavam muito. Quem contou que a minha avó era apaixonada por um padre foi minha mãe. Mas ela nem se recorda mais disso. O meu avô morreu sem receber socorro. Ninguém ousou entrar no quarto quando ele estava agonizando antes da morte. Ele era extraordinariamente violento. Depois de tantos xingamentos, empurrões, tapas, chutes, não havia qualquer um interessado em abrir a porta do quarto e perguntar algo. Morreu dentro de casa. Na casa que alimentou o silêncio do ódio. A morte dele foi a libertação de muitos demônios.
para minhas irmãs Michelle e Flávia