Você vai entender quando crescer


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Severo Garcia
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Severo Garcia

Nas férias, Cacá viajava com seus pais. Desta vez iam de carro e, logo no início do trajeto, ela percebeu que algo estava diferente. Assim que saíram de casa, perguntou ao pai:

— Pai, por que tem pessoas dormindo na rua, no chão?

Sem saber por onde começar, ele respondeu:

— Quando você crescer, vai entender.

Cacá não ficou satisfeita. Observou a cidade pela janela e logo fez outra pergunta:

— Pai, por que tem tanta fumaça na cidade?

Outra vez, o pai respondeu:

— Quando você crescer um pouco mais, vai entender melhor.

O silêncio tomou conta do carro até que Cacá viu um jovem vendendo doces no sinal. Ela franziu a testa, curiosa:

— Pai, por que ele está oferecendo doces?

Desta vez, o pai respirou fundo, decidido a lhe dar uma resposta que a ajudasse a compreender o que via ao redor. Mas não disse nada. Cacá parecia inquieta. Seguiram viagem, mas ela estava distante, com o olhar perdido na janela. Quando pararam para almoçar em um restaurante, percebeu algo: todas as pessoas sentadas ali eram brancas. Comentou com o pai, que, surpreso, admitiu que nem havia reparado. Enquanto comiam, Cacá lançou outra pergunta:

— Pai, por que será que tem pessoas que passam fome?

O pai arregalou os olhos. A curiosidade da filha o fazia pensar em questões que ele próprio havia deixado de lado. Buscou uma história que pudesse explicar ao menos um pedaço. E então lembrou:

— Filha, você conhece a história da rainha Maria Antonieta?

Cacá negou com um movimento de cabeça.

O pai contou que, há muito tempo, em um lugar distante, vivia uma rainha isolada em seu castelo, tão distante de seu povo que nem sabia do que ele precisava. As pessoas enfrentavam muitas dificuldades, a maior delas era a fome. Dizem que, ao saber que o povo não tinha pão, ela respondeu que comessem brioches. O pai explicou que a frase virou motivo de riso e espanto, e atravessou séculos. Cacá franziu o nariz:

— Pai, duas coisas: não sei o que é brioche… e não achei muito sentido nessa história. Essa rainha devia ser uma pessoa bem estranha.

O pai deu um sorriso tímido. Antes que pudesse responder, ela continuou:

— Pai, você já passou fome?

Ele pensou com cuidado. Não encontrou na memória nenhuma situação marcante que pudesse contar. Disse apenas que não, nunca havia passado fome. Ficaram ali, por um longo tempo, observando o vai e vem dos garçons, os garfos tilintando e os restos de comida ficando nos pratos.

— Pai, por que quando eu crescer eu vou entender?

 

Ele silenciou. Depois de um momento, Cacá perguntou baixinho:

 

— Pai, você vai crescer mais?

 

Para Maria Luiza e Catarina. 

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